Uma análise crítica sobre a terceirização da gestão dos serviços de alimentação escolar | PL 3096/2024
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Uma análise crítica sobre a terceirização da gestão dos serviços de alimentação escolar | PL 3096/2024

21 de Novembro de 2024

Uma análise crítica sobre a terceirização da gestão dos serviços de alimentação escolar | PL 3096/2024

Com base no texto do PL 3096/2024, que visa alterar as Leis nº 10.880/2004 (Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar – PNATE) e nº 11.947/2009 (Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE) para incluir repasses anuais únicos às escolas da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e permitir a terceirização na gestão dos serviços de alimentação escolar, seguem algumas considerações:

 

O Projeto de Lei 3096/2024, de autoria da senadora professora Dorinha Seabra (UNIÃO/TO), propõe alterações significativas inclusive na Lei nº 11.947/2009, com o objetivo de incluir repasses anuais únicos para escolas federais, além de permitir a terceirização da gestão dos serviços de alimentação escolar. A proposta apresenta alguns pontos positivos, mas também levanta preocupações importantes, no contexto do PNAE.

 

Entre os pontos positivos, destaca-se o reconhecimento da necessidade de completar o suporte financeiro direto da União às escolas federais, de forma a atender os alunos com refeições na escola, conforme previsto no artigo 208 da Constituição Federal, suprindo a lacuna existente. Os desafios enfrentados pelos profissionais de nutrição, diretores e reitores na gestão do PNAE nessas instituições são imensos e infindáveis, pois não dispõem de outros recursos além dos repasses federais. Além disso, a flexibilização trazida pela possibilidade de terceirização é apresentada como uma alternativa para atender demandas locais e aliviar sobrecargas administrativas.

 

Por outro lado, há sérias preocupações relacionadas à terceirização. No caso de o edital para a terceirização ser elaborado de forma incorreta, o que tem acontecido com frequência, esse modelo de gestão poderá comprometer a qualidade nutricional e sanitária das refeições e reduzir o controle geral sobre os serviços de alimentação escolar, conforme análise realizada por diversos Tribunais de Contas [1].

 

Uma das grandes ofertas das empresas contratadas, é a redução de custos, o que pode impactar negativamente na qualidade dos alimentos fornecidos, principalmente em regiões onde a fiscalização for insuficiente. Além disso, a terceirização pode conflitar com um dos princípios fundamentais do PNAE: o incentivo à agricultura familiar. Um dos aspectos dos editais para contratação de empresa para prestação de serviço (terceirização total) na Alimentação Escolar é que geralmente não preveem as condições para quando do atendimento pela produção familiar rural. Geralmente optam por fornecedores de proporcionem preços compatíveis aos cobrados nos contratos, dificultando a integração de pequenos produtores locais na cadeia de abastecimento, especialmente os comprovadamente orgânicos.

 

Vale ressaltar que a terceirização da Alimentação Escolar é uma decisão do administrador público. Porém, se optarem por essa forma de gestão (contratação por licitação), o pagamento de empresas terceirizadas para serviços no PNAE não pode ser realizado com recursos transferidos pelo FNDE, os quais devem ser utilizados somente para a aquisição de alimentos, preferencialmente in natura e minimamente processados.

 

Tanto a autogestão quanto a terceirização enfrentam desafios significativos de governança/accontability no serviço público, especialmente na ausência de controles adequados. Na autogestão, há uma frequente falta de clareza dos gestores sobre os custos e gastos, além da estrutura geral do PNAE comumente estar inadequada. Por outro lado, a autogestão não apresenta preocupações com lucros ou tributos sobre serviços, o que pode gerar maior eficiência financeira quando bem administrada. Na terceirização, a necessidade de lucro e o pagamento de impostos sobre serviços podem tornar os custos mais elevados, fazendo com a contratada encontre alguma forma de equilibrar os seus gastos, dentro do valor cobrado. Além disso, a terceirização frequentemente resulta na precarização da mão de obra, com baixos salários e alta rotatividade de funcionários, comprometendo a qualidade do serviço prestado.

 

O PL em questão, não considera a necessidade de adequar os repasses de recursos financeiros ao PNAE, em proporções diferenciadas as dos estados, municípios e DF, que complementam os valores transferidos pelo FNDE. As escolas federais recebem somente tais transferências, impedindo que os cardápios possam ser no mínimo, nutricionalmente equilibrados, dificultando a gestão técnica, administrativa e operacional do Programa de forma considerável. O governo federal normatiza a gestão do PNAE para municípios, estados e DF, e ele mesmo não cumpre o que estabelece.

 

Outro desafio importante está relacionado à implementação prática da proposta. O texto do projeto de lei não abrange o aspecto referente à supervisão das empresas terceirizadas pela contratante. A ausência de critérios claros para a contratação e fiscalização abre espaço para irregularidades, reduzindo a transparência no uso dos recursos públicos, fatos observados por Tribunais de Contas. Faz-se necessário uma combinação da atitude política com o comportamento gerencial, administrador e fiscalizador do Governo na busca da condução de resultados verdadeiramente positivos para o Estado, como máquina administrativa, e para a sociedade como um todo.

 

Além disso, o repasse único anual poderá ser utilizado de forma incorreta se, não planejado adequadamente, fato que geralmente acontece, já que os profissionais da nutrição, na maioria das vezes, não são chamados para participar do planejamento e consequentemente, com previsões incoerentes às necessidades dos alunos. O fato de não ser suficiente para lidar com variações nas demandas das escolas ao longo do ano, é possível, como, por exemplo, aumento no número de alunos ou emergências.

 

O PL em questão já passou pela Comissão de Assuntos Econômicos – CAE e pela Comissão de Educação, Cultura e Esportes – CECE, ambas no Senado Federal. E considerando dados do artigo "Terceirização no PNAE: riscos jurídicos e implicações para o cumprimento das diretrizes da alimentação escolar", escrito pelas nutricionistas Daniela Bicalho e Giorgia Russo foi destacado que a terceirização no PNAE enfrenta desafios graves, como apontado pelo TCU. As pesquisadoras identificaram dificuldades no controle da gestão contratual, problemas na garantia da qualidade dos alimentos, o não cumprimento de cardápios e a inobservância das metas de aquisição de produtos da agricultura familiar, indicando que o modelo não resolve falhas existentes e pode introduzir novas irregularidades. Ainda sobre a Educação Alimentar, que é um dos objetivos importantes do Programa de Alimentação Escolar - principalmente pela possibilidade de formação de hábitos alimentares saudáveis, mas também pela possibilidade de que os alunos compreendam que as condições de alimentação ocorrem dentro de um sistema socioeconômico determinado, onde as relações de classes, que tem diferentes conteúdos culturais e sociais, determinam condições diferentes de alimentação - ficam definitivamente comprometidas. 

 

Diante disso, a CECE apresentou o Requerimento 104/2024 para a realização de audiência pública para melhor conhecimento dos fatos e tomada de decisão posteriormente, ocorrida na última terça-feira (19), na qual a participação do CFN não foi autorizada, ainda que seja este um órgão diretamente interessado. No mesmo dia, foi enviado um parecer técnico para todos os senadores membros da Comissão de Educação, ressaltando o posicionamento do Sistema CFN e CRN contrário à terceirização. Confira a notícia aqui.

 

De forma geral, embora o PL 3096/2024 busque solucionar lacunas financeiras nas escolas da Rede Federal, a introdução da terceirização no PNAE levanta preocupações legítimas e não busca resolver os problemas existentes de gestão ineficiente bastante mencionada por profissionais da nutrição do PNAE no I Encontro de Nutricionistas das Escolas Federais realizado em Palmas/TO, entre os últimos dias 9 e 11 de outubro. Essas preocupações incluem a manutenção da qualidade das refeições escolares, o respeito às diretrizes nutricionais do programa, o estímulo à agricultura familiar e a transparência na gestão dos recursos.

 

Diante disso, é essencial avaliar ajustes no texto do projeto, estabelecendo mecanismos de fiscalização mais robustos, a fim de evitar desvios de recursos e assegurar a qualidade das refeições aos alunos. Como profissionais de nutrição, a visão crítica à terceirização é coerente e necessária, dado o impacto potencial dessa medida na promoção da saúde dos estudantes e na sustentabilidade do programa.

CONCLUSÃO

Em que pese a possibilidade de o PL 3096/2024 endereçar lacunas de financiamento nas escolas da Rede Federal, o que é positivo. Contudo, a introdução da terceirização no PNAE traz preocupações substanciais, especialmente no que diz respeito à manutenção da qualidade das refeições, incentivo à agricultura familiar, redução de custos e consequentes precarização do PNAE.

 

O parecer da Comissão de Assuntos Econômicos – CAE destaca que o PL 3096/2024 promove a inclusão da Rede Federal no programa PNAE inclusive, visando a equidade no atendimento e contribuindo para a permanência escolar, com impacto orçamentário considerado pequeno. Ressalta ainda a flexibilidade trazida pela possibilidade de terceirização, embora sem critérios claros, e reforça a importância de assegurar padrões de qualidade e supervisão na gestão dos recursos.

 

A terceirização do PNAE demonstra ser uma fragmentação administrativa do Estado, que busca eficiência na prestação de serviços públicos. Desde que respeitados os princípios da legalidade, eficiência e economicidade em favor do interesse público, ela é permitida. No entanto, as dúvidas sobre o modelo decorrem de experiências negativas, marcadas pelo mau uso de recursos e desatenção ao interesse público e ao alunado, embora isso não seja um argumento compreendido e aceito por muitos administradores públicos.

 

Como CRN-3, nossa posição é crítica ao PL 3096/2024, diante de diversos pontos instáveis, a inexistência da produção familiar rural, frente a liberação da terceirização, sendo justificada pelas situações observadas pelos Tribunais de Contas, assim como pelas falhas nos termos de referências para a licitação e fiscalização ineficiente.

 

Uma alternativa seria propor melhorias no texto do PL para aprimorar e fortalecer os instrumentos de licitação e fiscalização para evitar desvios de recursos e garantir a qualidade das refeições, com a produção familiar rural permeando todo o processo, independente da forma de gestão.

 


[1] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. RELATÓRIO nº 29/2008 - DE INSTRUÇÃO- RLA 08/00745884. Disponível em: https://consulta.tce.sc.gov.br/RelatoriosDecisao/RelatorioTecnico/3159595.PDF

 

Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo - 1ª Procuradoria de Contas. Processos nº .989.23-6 e TC-9227.989.23-3. Disponível em: https://www.mpc.sp.gov.br/sites/mpcsp/files/noticias/Contrato%20e%20Acomp%209067.989.23-6%20e%209227.989.23-3%20PM%20de%20Boituva.%20Irregular.pdf

 


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